[Um texto antigo, escrito e publicado em Cortland, OH, EUA, em 28 de Julho de 2005 e publicado no meu blog Liberal Space. O tema é tolerância. O texto em si não menciona Popper, mas seu enfoque é popperiano. Para comprovar isso, acrescento, antes do artigo, em si, o mote de minha página sobre Popper no Facebook, retirado da principal obra de Filosofia Política dele: A Sociedade Aberta e seus Inimigos, escrita, durante a Segunda Guerra Mundial, quando ele era refugiado de guerra na Nova Zelândia.]
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Tolerar é não reprimir. Da forma que eu entendo a coisa, quem tem o dever praticar tolerância é o governo, não pessoas físicas ou jurídicas. E mesmo o governo só tem o dever de pratica-la em relação a algumas questões bem definidas.
No tocante a opiniões, pontos de vista, doutrinas, teorias, etc., o governo tem o dever de tolerar basicamente tudo – e ter mecanismos para que pessoas que se julguem insultadas e caluniadas (i.e., indevidamente acusadas) possam judicialmente responsabilizar quem emitiu a opinião.
No tocante a ações, nem mesmo o governo tem o dever de ser tolerante com tudo. Pelo contrário. Em relação ao cidadão comum, o governo deve tolerar qualquer ação sua que não seja proibida por nenhuma lei. Em relação ao funcionário público, o governo tem o dever de apenas tolerar as ações que a lei considera como de competência daquela categoria de funcionário.
Quando um cidadão faz o que a lei proíbe, o governo tem o dever de não ser tolerante. Quando um funcionário público faz algo que a lei não o autorizou, abusa do poder que lhe foi atribuído, e o governo tem o dever de não ser tolerante.
Eu, como indivíduo, ou eu, como pessoa jurídica, não tenho poder nenhum para reprimir ninguém e nada. Não tenho, portanto, como ser tolerante, no sentido básico do termo que acabei de explicitar.
Tolerar, no entanto, para alguns, é simplesmente não julgar, não criticar, não condenar moralmente — tanto opiniões, pontos de vista, doutrinas, teorias, etc., como ações.
Mas, nesse sentido do termo, temos o dever de ser totalmente intolerantes. Contrário ao que dizem os Evangelhos, temos não só o direito de julgar, criticar, e condenar moralmente as ideias e as ações que consideramos erradas, mas também o dever de fazê-lo.
Tolerar as idéias ou ações de uma outra pessoa é uma coisa: é não reprimi-las (tendo o poder de fazê-las – algo que apenas o governo tem). Quando um conjunto de ideias ou ações é corretamente tolerado pelo governo, os cidadãos do país não têm o dever de considerar essas idéias e ações boas, corretas, dignas de disseminação e aceitação. Qualquer cidadão de um país tem não só o direito como o dever de criticar e combater ideias e ações que considera perniciosas e incorretas, e de fazer o que estiver em seu poder, sem violar o direito de terceiros, para que não sejam aceitas por outras pessoas.
Por fim, uma outra observação. Algumas pessoas têm dito que devemos ser tolerantes com o erro mas amar a quem erra… Aqui o equívoco ainda é maior. Não concordo com a tese de que devemos amar os outros, indiscriminadamente. Da mesma forma que temos (no meu entender) o dever de criticar os pontos de vista e as ações dos outros, quando estão erradas, estou convicto de que só devemos amar quem tem valor para nós. Doutra forma barateamos e banalizamos o amor.
Amar quem não nos vale nada é, na minha opinião, um ato irresponsável.
Escrito e publicado em Cortland, 28 de Julho de 2005; transcrito aqui em Salto, em 3 de Março de 2018.